Neca Barbosa
> > Por Geraldo da Costa e Silva
Passados mais de vinte anos de sua morte, o Neca Barbosa continua famoso e respeitado. Como gente boa e mentiroso sem igual. A vida, passou-a numa fazendinha de sua propriedade, cortada por uma estrada secundária, pras bandas de Pirajuba e Prata City. Seu negócio principal era a venda, com restaurante para caminhoneiros, na beira do caminho. Os preços praticados, por todos sabidos exorbitantes, não afastavam os fregueses. Até aumentava o número deles. Num tempo em que não existia asfalto nem pressa,, muitos encompridavam a viagem passando por lá, para saborearem a boa comida caseira, sua prosa mansa, gostosa, e suas histórias decantadas.
O café era dos bons. O bule vinha da cozinha, fumegante, exalando o cheiro forte irresistível para os apreciadores. O Neca amável, elogiando as qualidades da bebida especial. Os viajantes habituais já lhe conheciam o sistema. Ao passante de primeira viagem é que se reservava a surpresa. Ao procurar pagar o cafezinho o Neca recusava o recebimento, oferta da casa. O amigo só tinha a pagar a lavada da xícara. Aí o preço era mais que o dobro do esperado!
Menino, lembro-me de algumas de suas poucas aparições na cidade. Onde parava juntava gente, todos querendo ouvir suas tiradas e as mentiras saborosas e inofensivas. Como a que envolvia sua porca de estimação. Criada no chiqueiro desde leitoinha, a afeição chegou a tal que nem deixava qualquer espaço para o mínimo pensamento de sacrificá-la. Engordou tanto ao ponto de o couro estourar, rachando no dorso. Foi a grande solução natural. Assim viveu muitos anos. À hora das refeições o Neca apenas colhia o toucinho necessário ao abastecimento das panelas.
Numa manhã, ainda chuvosa, atendia um caminhoneiro e seu ajudante. Conversa daqui, conversa dali, o Neca contou do temporal ocorrido à noite:
- O vento foi tão forte que entortou a cisterna...
O ajudante incrédulo, pediu para ver. Então o Neca indicou com o beiço:
- É aquela ali na porta da cozinha.
O rapaz foi e demorou-se examinando.
Na volta contestou:
- Não tem cisterna torta ali não!
E o Neca todo sorridente:
- Você não me esperou acabar de contar.
De madrugada veio um vento contrário e desentortou.
Pena que o Neca não fosse pescador. Teriam ficado histórias boas de pescaria. Quando se contavam numa roda aventutas de pescas, de quantidade e qualidade de dourados, pintados e piaparas fisgadas, ele arrotava vantagem. Não se dava aos esforços de varas, linhas, carretilhas, botes.
- Faço uma ceva aí no São Francisco e solto uma bomba caprichada. Depois é só recolher os peixes. Nem cato os miúdos.
Aí um sujeito do grupo, que não era seu conhecido, todo contente, falou:
- Há tempos venho querendo descobrir quem usa bombas no rio. Sabe quem sou? O fiscal de caça e pesca! E o Neca respondeu no ato:
- E você sabe quem sou? Neca Barbosa, o maior mentiroso da região!
Se não era adepto da pesca, ele era chegado numa caçada. Certa manhã saiu mal o dia clareava. Matula no bornal, cachorro, cartucheira. Ao fim da tarde, voltando cansado depois de beiradear o rio, atravessar os campos e incursionar por matas e capoeiras sem nada encontrar, já perto de casa, avistou, solitário, um papagaio numa árvore. Aproximou-se, ajeitou a espingarda. Quando apontou a arma, o papagaio abriu as asas e falou:
- Pelo amor de Deus, Neca, não me mate! No choque enterneceu-se, baixou o cano e observou bem o bicho. E foi chegando em casa, maldizendo a sorte do dia. O episódio foi esquecido. Mais ou menos um mês depois levantou-se e foi lavar o rosto na bica. Havia uma algazarra de aves numa das mangueiras do quintal. Observando bem reconheceu aquele papagaio em meio a uma centena de outros. Foi então que puxou:
- E pro Neca, nada?
- Tudo!
- E então como é que é?
- É pique, é pique, é pique! Rá -ti-bum!
Neca! Neca! Neca!
Geraldo da Costa e Silva
Pediatra, diretor da Clínica Infantil
de Araçatuba e presidente da Unimed
regional de Araçatuba.
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